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17 de outubro de 2010

a Póvoa do Mar antes do "Homo obtusus"


ciclo do Mar
série o Mar da Póvoa do Mar
Acrílico, grafite e carvão s/ tela
50x70
ano de produção 2010


Há milhões de anos havia na enseada da Póvoa bandos de gaivotas e maçaricos livres. Não havia os problemas de assoreamento porque os peixes e as aves marinhas não ligavam a esses pormenores para eles inofensivos. Cadeias de dunas fixadas pela flora marítima impediam o avanço do mar até aos campos bravios floridos e às matas de pinheiros. Não havia eucaliptos. Os tarrotes e outros passarinhos, ao levantar voo, formavam verdadeiras nuvens chilreantes. Das poças da Gândara e outros lugares, riachos e ribeiros desaguavam no oceano e levavam consigo mais proteínas para os animais ribeirinhos e marinhos.



Então apareceu sobre a face da Terra um género de animal que, inteligentemente, em vez de se adaptar ao meio como faziam todos os outros, passou a transformar a Natureza a seu bel-prazer. Como se fosse o único habitante do planeta. Da sua acção resultou o que se vê –

O assoreamento aumentou e tornou-se um empecilho, as dunas desapareceram e surgiram os problemas com as marés, as matas de pinheiros foram dizimadas, plantou eucaliptos alienígenas por todo o lado e a flora autóctone enfezou, os campos deixaram de ser selvagens e as flores campestres foi um ar que lhes deu, as nuvens de tarrotes tornaram-se ridículas de tão minúsculas, as gaivotas passaram a depender das lixeiras humanas e tornaram-se praga (e daí toca de as matar), os maçaricos foram escorraçados de um lado para outro, as poças secaram e nelas foram implantados caixotes de betão com gente dentro, subindo até aos céus emporcalhados com gazes tóxicos, esfumaram os riachos e ribeiros ou emparedaram-nos e as suas águas deixaram de acasalar com o mar.

Diz esse novo género animal, com jactância, que o que o distingue dos restantes é a sua inteligência superior. Chama burro ao jumento quando é ele, afinal, o verdadeiro burro. E casmurro porque ainda não conseguiu aprender com os próprios erros. O que vale à Natureza é que este género, o homem1 , com as guerras, a sobrepopulação e a fome daí resultante, o desprezo pelo ambiente em que vive e as doenças da civilização, que criou e se encarregou de disseminar,  condenou-se e está em vias de extinção.

Sem nós a Terra sobreviverá; sem ela, no entanto, nós não poderíamos sequer existir.” 2



1. Obrigam as regras gramaticais, deste novo Acordo Ortográfico como do antigo, que a palavra homem, quando referida ao todo, à humanidade, seja grafada com maiúscula inicial. Não vejo razão para isso uma vez que pinheiro, cão ou tarrote, se escrevem sempre, em qualquer circunstância, com minúscula.

2. WEISMAN, Alan. O Mundo Sem Nós, Estrela Polar, Cruz Quebrada, 2007, p. 311.



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