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20 de outubro de 2010

Inauguração, Reportagem fotográfica

Iconografias - Inauguração

clique na imagem para abrir o álbum

Vendas

As obras expostas poderão ser adquiridas n'A Filantrópica, no espaço da Exposição, ou por via electrónica.

As aquisições no local da Exposição poderão ser em numerário ou de acordo com as condições das vendas electrónicas.

Descarregue aqui a 


Tabela de Preços e Condições de Venda
ver tabela atualizada em http://arthariaaclindopintura.blogspot.com/

17 de outubro de 2010

Horário


in "O Comércio da Póvoa de Varzim", Ano 106 nº 41, 14.10.2010

 


A Filantrópica
Rua 31 de Janeiro, nº 1
junto à Estação dos Correios (Central) da Póvoa de Varzim

segunda a sexta-feira
9H00 – 12H00
14H30 – 20H30

sábado
9H00 – 12H00

Mestre Domingos Catritas

ciclo do Mar
série  O Mar da Póvoa do Mar
Acrílico, Carvão e Grafite s/ tela
80x100
ano de produção 2010
em coleção particular




Todo o Ciclo do Mar  é dedicado à Memória de meu avô

Domingos Filipe Nunes, o Catritas.

Convivi pouco com o meu avô mas foram anos profícuos e determinantes para a minha formação.
Recordo o seu porte altivo sem arrogância, a sua atitude rigorosa sem severidade, a sua sabedoria serena e consistente.

No tempo antigo do antigamente, o pescador era pouco letrado. Analfabeto era o mote. Mesmo assim conseguiu fazer a 4ª classe, altura de ir para o mar.

O que sempre me impressionou nele foi a sua ânsia de saber: lia tudo o que lhe aparecia à frente como uma gulodice dos céus. Talvez eu tenha dele herdado essa necessidade vital.  Tinha uma caligrafia que eu, candengue ainda, achava maravilhosa. E era mesmo.

“Vivia paredes-meias com o mar. Dormia e sonhava com ele. Quando na tropa lhe perguntaram onde nascera, mestre Domingos ingenuamente respondeu: no mar da Póvoa.” 1

Mas não era ingénuo - ou apenas por humildade o era - antes orgulhosamente consciente, quando afirmava - e tantas vezes o ouvi assim falar – que ”Póvoas há muitas, mas a minha é a Póvoa do Mar!” 2

A vida foi-lhe madrasta inúmeras vezes e muito haveria que contar do meu avô mas um dos episódios para mim mais marcantes, que me foi contado de boca a ouvido porque ele não gostava de o referir - na sua versão completa - quando era adolescente e estive temporariamente cá na Póvoa do Mar, é o seguinte:

“Em Porto Alexandre foi mestre da motora Carminha. Certo dia, regressando da faina da pesca, à entrada da barra, viu-se apanhado por violento temporal. 3 O barco naufragou com sete negros a bordo – toda a tripulação. Mestre Domingos,
na água, lutando obstinadamente contra um temporal desfeito, conseguiu salvar todos os homens. Um por um trouxe-os para terra. Quando chegou, foi alvo das
maiores homenagens por negros e brancos. Levaram-no aos ombros. Beijavam-no de contentes. Cobriram-no de honrarias. Mais tarde, cansado e desiludido, embarcou para a Metrópole. Partiu pobre, chegou mais pobre ainda.” 4

O que falta contar é que, não obstante as honrarias, meu avô foi exprobado por alguns brancos:
- Mestre Domingos, porque é que se esfalfou com os pretos? Porque não os deixou ir até ao Pinda, com a correnteza?!

Ainda hoje consigo vislumbrar a indignação que lhe vi no olhar enquanto me contava este pormenor desconhecido da história. “Sabes por que motivo os salvei?” E sem esperar por resposta minha, “Porque também eles são gente!”

Também a revolta constante contra a injustiça a herdei de meu avô.
Obrigado por tudo, Mestre Domingos Catritas.


Sobre o quadro:

No mapa estão traçadas as rotas que levaram meu avô a outras Pátrias.

No salva-vidas “Cego do Maio”, de que foi Patrão, cumpriu a sua última tarefa de lobo-do-mar. Este barco foi desenhado a partir do original que se encontra no Museu da Póvoa. Por isso decidi manter o erro que ostenta na proa, a bombordo (correcto a estibordo): as cores da Bandeira Nacional, no interior da esfera armilar, estão invertidas.

A sigla representada, “lanchinha, dois piques e um por riba”, era a sua Marca.



1.  AZEVEDO, José de. Homens do Mar da Póvoa, e.a., Póvoa de Varzim, 1973, p. 88.   
2. Inspirei-me nesta sua expressão para o título da série “o Mar da Póvoa do Mar”.
3. O autor quer referir a entrada da baía de Porto Alexandre e o temporal era a calema.
4. AZEVEDO, ob.cit. p. 90.

Lancha Poveira do Alto



ciclo  do Mar
série  o Mar da Póvoa do Mar
Acrílico e Grafite s/ tela
70x50
ano de produção  2010



Nem só a Fauna e a Flora correm riscos de extinção causados pelo desleixo e ganância do Homem. O mesmo acontece com as embarcações tradicionais . A diferença é que não há organizações que pugnem pela conservação e protecção das espécies de barcos.

Da Lancha Poveira do Alto existe apenas um espécime, fruto da persistência de Manuel Lopes1 e mandado construir pela edilidade para que não se perca a sua memória.

Era um barco de duas proas, com um mastro e verga para sustentação de uma grande vela latina, destinada à faina da pescada ao largo. Media 10-13m de comprimento, 2,5-4m de boca e cerca de 1,5m de pontal com uma capacidade máxima de 35t. Armava 12 remos e era tripulada por 10-12 homens.




1. Manuel José Ferreira Lopes (1943-2006), poveiro, foi o responsável pela reestruturação da Biblioteca Municipal Rocha Peixoto e do Museu Municipal de Etnografia e História. Dos inúmeros trabalhos a que se dedicou destaca-se a exposição “Siglas Poveiras”, galardoada com o “European Museum Of The Year Award” (1980) para a melhor exposição especial. Foi galardoado com a Medalha de Prata de Reconhecimento Poveiro (1994).

Lua Nova em Quarto Crescente


ciclo do Mar
série o Mar da Póvoa do Mar
Acrílico s/ tela
60x50
adicionais  areia fina 
ano de produção  2009




Praia de Banhos da Póvoa do Mar, traseiras do cais.

Será possível que o dia seja, simultaneamente, de-dia e de-noite?

Será possível observar-se a Lua em duas fases simultâneas, Lua Nova (esquerda)
e Quarto Crescente (direita) ?

Nesta tela é possível!

Dourado & Rubro


ciclo do Mar
série o Mar da Póvoa do Mar
Acrílico s/ tela
díptico 30x60 + 30x60
ano de produção  2009



Enseada da Póvoa de Varzim.

No Rubro está representada uma Lancha Poveira do Alto, antigo barco de pesca artesanal.

No  Dourado alterei a representação da Natureza  – o Sol aparece fora do seu habitat,  o horizonte: projecta-se, à transparência,  em pleno mar.

A natureza é, ou pode ser, aquilo que quisermos.



a Póvoa do Mar antes do "Homo obtusus"


ciclo do Mar
série o Mar da Póvoa do Mar
Acrílico, grafite e carvão s/ tela
50x70
ano de produção 2010


Há milhões de anos havia na enseada da Póvoa bandos de gaivotas e maçaricos livres. Não havia os problemas de assoreamento porque os peixes e as aves marinhas não ligavam a esses pormenores para eles inofensivos. Cadeias de dunas fixadas pela flora marítima impediam o avanço do mar até aos campos bravios floridos e às matas de pinheiros. Não havia eucaliptos. Os tarrotes e outros passarinhos, ao levantar voo, formavam verdadeiras nuvens chilreantes. Das poças da Gândara e outros lugares, riachos e ribeiros desaguavam no oceano e levavam consigo mais proteínas para os animais ribeirinhos e marinhos.



Então apareceu sobre a face da Terra um género de animal que, inteligentemente, em vez de se adaptar ao meio como faziam todos os outros, passou a transformar a Natureza a seu bel-prazer. Como se fosse o único habitante do planeta. Da sua acção resultou o que se vê –

O assoreamento aumentou e tornou-se um empecilho, as dunas desapareceram e surgiram os problemas com as marés, as matas de pinheiros foram dizimadas, plantou eucaliptos alienígenas por todo o lado e a flora autóctone enfezou, os campos deixaram de ser selvagens e as flores campestres foi um ar que lhes deu, as nuvens de tarrotes tornaram-se ridículas de tão minúsculas, as gaivotas passaram a depender das lixeiras humanas e tornaram-se praga (e daí toca de as matar), os maçaricos foram escorraçados de um lado para outro, as poças secaram e nelas foram implantados caixotes de betão com gente dentro, subindo até aos céus emporcalhados com gazes tóxicos, esfumaram os riachos e ribeiros ou emparedaram-nos e as suas águas deixaram de acasalar com o mar.

Diz esse novo género animal, com jactância, que o que o distingue dos restantes é a sua inteligência superior. Chama burro ao jumento quando é ele, afinal, o verdadeiro burro. E casmurro porque ainda não conseguiu aprender com os próprios erros. O que vale à Natureza é que este género, o homem1 , com as guerras, a sobrepopulação e a fome daí resultante, o desprezo pelo ambiente em que vive e as doenças da civilização, que criou e se encarregou de disseminar,  condenou-se e está em vias de extinção.

Sem nós a Terra sobreviverá; sem ela, no entanto, nós não poderíamos sequer existir.” 2



1. Obrigam as regras gramaticais, deste novo Acordo Ortográfico como do antigo, que a palavra homem, quando referida ao todo, à humanidade, seja grafada com maiúscula inicial. Não vejo razão para isso uma vez que pinheiro, cão ou tarrote, se escrevem sempre, em qualquer circunstância, com minúscula.

2. WEISMAN, Alan. O Mundo Sem Nós, Estrela Polar, Cruz Quebrada, 2007, p. 311.



Namibe, o Deserto


ciclo do Mar
série Entre o Deserto e o Mar
Acrílico s/ tela
adicionais  areia fina
aplicações  tinta acrílica ressequida
50x100
ano de produção  2009


Estão aqui representados os ícones naturais do Namibe, província sulangolana:

1. (esquerda) o Oceano Atlântico, o Cabo Negro e a Welwitschia – em vista aérea.
O Atlântico, nesta região influenciado pela corrente fria de Benguela, é uma fonte de riqueza inesgotável, assim os homens saibam explorá-lo com a sustentabilidade necessária.
O Cabo Negro é um ícone histórico: aqui Diogo Cão implantou o 5º Padrão em 1485.
A Welwitschia mirabilis, planta descoberta pelo botânico austríaco Frederico Welwitsch no séc. XIX e género único no Reino Vegetal, é um ex-líbris da região e o seu nome gentílico, Tombwa, foi adoptado como nova toponímia da cidade outrora denominada Porto Alexandre, até 1975 um dos maiores portos de pesca de África, se não o maior em termos de volume de pescado.

2. (centro inferior) As dunas, a face feiticeira do deserto.
A sombra projectada na duna maior é de um pastor Mukubal, povo intimamente ligado ao deserto do Namibe.

3. (centro superior) A Espinheira, o Olongo e o Azul.
A Espinheira (Acacia spp.), à primeira vista um espécime vegetal de fracos recursos é, no entanto, uma árvore ou arbusto arbóreo de importância capital para o homem e a fauna selvagem.
O Olongo (Tragelaphus strepsiceros) é característico pelas 6 a 10 listas verticais brancas, traçadas nos flancos e pelos chifres do macho, com 1,5m de comprimento e dos mais belos da tribo, espiralados e soberbos nas suas quatro volutas.
A mancha Azul tanto pode representar o céu sempre límpido do Namibe como as águas da Lagoa dos Arcos do Carvalhão, autentico milagre da Natureza em pleno deserto.

4.  (direita) Três espécimes da fauna da região: o Burro-do-mato, a Avestruz e o Cachucho.
Quando apreciamos uma fotografia ou um desenho de uma Quaga ou Burro-do-mato (Equus quaga), hoje as únicas formas de a observarmos por estar extinta desde 1894 1, lembra-nos uma zebra incompleta, um cruzamento entre zebra e cavalo ou entre zebra e jumento. Era, no entanto, uma bela e única espécie da família dos equídeos que a estupidez humana condenou à extinção.
 A Avestruz (Struthio camelus) e a sua capacidade única de sobrevivência no deserto representa o Parque Nacional do Iona, o maior parque natural de Angola com uma área superior a 15.150 km2.
O Cachucho (Dentex macrophthalmus) lembra a esplêndida fauna marinha e a maior riqueza do Namibe, a pesca.

4.  (direita) Três espécimes da fauna da região: o Burro-do-mato, a Avestruz e o Cachucho.
Quando apreciamos uma fotografia ou um desenho de uma Quaga ou Burro-do-mato (Equus quaga), hoje as únicas formas de a observarmos por estar extinta desde 1894, lembra-nos uma zebra incompleta, um cruzamento entre zebra e cavalo ou entre zebra e jumento. Era, no entanto, uma bela e única espécie da família dos equídeos que a estupidez humana condenou à extinção.
 A Avestruz (Struthio camelus) e a sua capacidade única de sobrevivência no deserto representa o Parque Nacional do Iona, o maior parque natural de Angola com uma área superior a 15.150 km2.
O Cachucho (Dentex macrophthalmus) lembra a esplêndida fauna marinha e a maior riqueza do Namibe, a pesca.


1. Há quem garanta, no entanto, que ainda podia ser vista, nas margens do Cunene, para lá de meados do século passado. A verdade é que eu, que nasci em meados desse século, ouvi falar do burro-do-mato bastantes vezes.

Ondele na Lagoa dos Arcos


ciclo do Mar
série Entre o Deserto e o Mar
Acrílico s/ tela
50X70
ano de produção  2009



Uma caminhada pelo Deserto do Namibe, para um alienígena, é, literalmente, uma seca:

“Sem consciência do momento o verde flora diluiu-se
em arbustos rasteiros e negros tocos ressequidos
e nasce uma seara de godos
crioclastia na areia cada vez mais solta1

“pintor marinho ou escultor surrealista
sente-se o vento  que nos fustiga o rosto com picos de areia perfurantes. apalpa-se a erosão no desgastar das rochas. ” 1

No tempo da metralha

“vinham coros boatados
as notícias da guerra
e as guerras da notícia

e do deserto a garroa colava
areia nos olhos ressudados.” 2

De súbito, sem que tenha sido anunciada, surge uma paleta com todas as cores, inesperada e esplêndida, como que aspergida de um arco-íris:

a Lagoa dos Arcos do Carvalhão é um Paraíso na Terra.  E a garça Ondele esborda felicidade.



1.  admário costa lindo, in “o bico-de-lacre e o tarrote”, inédito
2.  admário costa lindo, “vinham do mar cacimbos”, in “makamba”, inédito

Kuiza ajitu: Ovindele ua Putu



ciclo do Mar
série Mar & Mares
Acrílico e Grafite s/ tela
50X70
ano de produção  2010



Uma de várias teorias existentes sobre a questão diz que em 1482, quando os navegadores portugueses chegaram a Angola, para os povos que ali habitavam as caraVelas eram garças-brancas vogando no mar.  Aqueles panos brancos, coisa nunca antes vista, assemelhavam-se aos jindele que povoavam as margens do rio Zaire.

E tanto foi que do nome gentílico da garça-branca, ~Dele (kimbundu) ou Ondele (Olunhaneka e Umbundu), derivou a designação por que passou a ser designado o homem da raça “dita” branca: Mundele (kimbundu, pl. Mindele) ou Otxindele (Olunhaneka e Umbundu, pl. Ovindele), daí evoluindo para o aportuguesamento Xindere.

Tradução do título do quadro (uma mistura das línguas referidas):

 Chegaram Visitas: os Brancos de Portugal.

Cego do Maio



ciclo Iconografia Poveira
série o Mar da Póvoa do Mar
Acrílico e Grafite s/ tela
50x70
ano de produção: 2010


José Rodrigues Maio (8.10.1817-13.11.1884), O Cego do Maio, viveu rodeado de mar. Duvido que alguma vez os seus horizontes tenham sido outros.

Pescador sardinheiro, “Tio Maio” tornou-se lenda pela centena de salvamentos que fez, quando a Póvoa não tinha ainda porto de abrigo nem barco salva-vidas. Não era cego, tinha antes um olhar permanentemente esbugalhado virado para o mar.

A cegueira imanente na alcunha reflecte o desinteresse com que, na sua pequena catraia, se aventurava “às cegas” pelo mar adentro em socorro dos náufragos, atitude que ele próprio considerava um dever sagrado. Não procurava agradecimentos mas foi condecorado com a Medalha de Ouro da Real Sociedade Humanitária do Porto e com o Colar de Cavaleiro da Ordem de S. Tiago da Torre e Espada que lhe foi aposta pelo Rei em pessoa, D. Luís I.

Grande honraria, porém, foi ter sido nomeado Patrão do primeiro salva-vidas poveiro, por Pereira Azurar em 14.05.1881.

A Comunidade Poveira do Brasil e o Clube Naval Povoense mandaram erigir um monumento em sua honra, que pode ser visto no Passeio Alegre da Póvoa de Varzim, da autoria do escultor portuense Romão Júnior.

A partir do busto desse monumento foi composta a figura central do quadro.

As preocupações de Tio Maio, as agruras e amarguras do pescador poveiro, estão ainda vivas não obstante o tempo decorrido:

“Há quem espere um bom vento ou melhor casamento e advogue que os lobos-do-mar, ásperos como o rude oceano, perseguem princípios politicamente incorrectos, ultrapassados pela noção de cidadela global. Alguém escuta o desabafo, que lhes querem roubar o mare clausum? Não, certamente! O pescador não se rebola nas altas esferas, as políticas. Sobram as armilares que muito preza porque dos céus depende a sua orientação.”1

Aí estão. Na Ursa Menor (canto superior direito) a Estrela Polar é representada pelo símbolo “estrela” das marcas poveiras. No canto inferior esquerdo está o Sete-Estrelo (as Plêiades).

Cego do Maio enverga uma camisola tradicional poveira.
Na calçada (onda por baixo da figura central) está representada a marca (meio sarilho) da família ”Os do Cego do Maio”. 2




1.  admário costa lindo. in o bico-de-lacre e o tarrote, inédito.
2. cf. GRAÇA, A. Santos. O Poveiro, Publicações Dom Quixote, 3ª edição, Lisboa, 1992, pp. 26 e 28.


o Coreto


ciclo Iconografia Poveira
Acrílico e Grafite s/ tela
50x70
ano de produção 2010


“O primeiro esforço para construir um coreto no local [Praça do Almada] remonta a 1896, tratando-se, muito possivelmente, de uma estrutura efémera, como aconteceu um pouco por todo o país. Só em 1904 se procedeu à sua efectiva edificação, inaugurado no ano seguinte com a actuação da Banda Povoense.

Associado ao surgimento e florescimento das bandas filarmónicas, de que a Banda Povoense é um bom exemplo, este palco era simultaneamente um pólo dinamizador de reuniões, concertos e discussões.

De planta hexagonal (forma que se repete até à cobertura), o coreto segue uma tipologia comum, com as instalações sanitárias de apoio, em alvenaria, no registo térreo, e o espaço para actuação e convívio no registo seguinte. Este, é circunscrito por uma guarda de ferro fundido aberta na zona da escada de acesso, com guarda idêntica. Em cada um dos ângulos do hexágono, ergue-se uma das seis colunas que suportam a cobertura, rematada por lanternim, ambas com decorações de influência oriental.

É bem visível neste coreto a utilização da arquitectura do ferro, que recorre a uma inspiração oriental muito marcada, ainda que aplicada numa gramática geométrica e estilizada. De gosto romântico, esta estrutura destaca-se pela cobertura, em chapa metálica escura, com cercadura rendilhada de tons claros, que se articula com as colunas. Remata o conjunto um lanternim,
ambas com decorações de influência oriental.”  1
 Foi classificado como Imóvel de Interesse Municipal pelo Decreto n.º 67/97, DR n.º 301, de 31-12-1997.
Em Portugal é muito habitual abandonar os velhos, pessoas ou monumentos.
É bom que se faça alguma coisa pelo Coreto, para que o velhote se sinta útil, que ainda é.

1. CARVALHO, Rosário. Coreto da Praça do Almada, IGESPAR-Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico online, [url] http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/, ac. 4.10.2010

Marcas Poveiras



ciclo Iconografia Poveira
Acrílico s/ tela
70x50
ano de produção 2010


Os pescadores poveiros dos tempos de antanho, da época em que o analfabetismo grassava no país, inventaram uma forma própria para marcação dos seus pertences.

Essa sorte de escrita, hoje em desuso, tem semelhanças com os hieróglifos egípcios já que é representada por objectos - relacionados com o mar e a sua faina. São as Marcas Poveiras e a sua leitura é inteligível por toda a comunidade piscatória, tal como os letrados lêem o alfabeto comum.

Essas Marcas, também chamadas Siglas, são apostas nos componentes dos barcos e em todos os apetrechos da faina, mas também no mobiliário caseiro – mesas, cadeiras e outros móveis e utensílios.

A base da escrita é o “Pique” – um golpe a direito (usualmente as Marcas talham-se a navalha) ou traço simples –  que, combinando-se, compõe o restante “alfabeto”. A única excepção é a “Lanchinha” que pode ser representada por linhas curvas.

A formação das Marcas tem regras próprias e inicia-se com o chefe de família. O primeiro filho acrescenta um Pique à Marca do pai, o segundo dois, o terceiro três, quatro o quarto e assim sucessivamente. O último filho, o mais novo portanto, herda a Marca de seu pai.

A escrita é bastante criativa: o conjunto dos Piques dos filhos pode formar outras siglas. Assim, por exemplo,

  o segundo filho de um pescador, cuja Marca seja uma Lanchinha, tem como Marca sua “Lanchinha e dois Piques” ou “Lanchinha e Cruz”;

  o terceiro filho terá “Lanchinha e três Piques” ou “Lanchinha e Estrela”;

  o quarto “Lanchinha e quatro Piques” ou “Lanchinha e Grade de quatro Piques”;

  o quinto “Lanchinha e cinco Piques” ou “Lanchinha e Sanselimão”.

As Marcas não são exclusividade dos homens. Também as mulheres que sejam proprietárias de barcos ou redes têm direito a usar Marca, seguindo as regras consuetudinárias.

No quadro estão as seguintes Marcas (da esquerda para a direita e de cima para baixo):

  Pena, Grade de cinco piques, Sanselimão1, Coice2, Pente;
  Lanchinha, Sarilho3, Dois piques a prumo e um por riba, Cálice aberto;
  Pé de galinha, Cálice fechado, Calhorda4, Estrela de rabo e Pique, Padrão, Estrela;
  Estrela de rabo, Quartos, Lanchinha, Mastro e Verga içada, Cruz;
  Arpão, Lanchinha e Grade de quatro Piques, Estrela e dois Piques e um por riba,  Lanchinha, Cálice fechado e Arpão com dois meios Piques, Coice e três Piques.


1. Signo de S. Solimão.
2. Parte da popa do barco onde estão fixadas as ferragens por onde se enfia o leme.
3. Artefacto de formatação cilíndrica, geralmente de madeira, para enrolar e desenrolar linhas, cordas e cabos.
4. Barco inestético ou mal construído.

15 de outubro de 2010

Kanzumbi



ciclo Iconografia Angolana
série Deuses & Heróis
Acrílico s/ tela
40X30
ano de produção 2009



Popularmente diz-se que ter kanzumbi é estar enfeitiçado.

Em termos etimológicos (kimbundu ~Zúmbi) significa a alma penada de um antepassado. ~Déle é o espírito errante (masculino ou feminino) que vem perseguir os vivos. Kanzumbi é a mesma entidade mas não persegue, vem em paz.

Não se conhece representação gráfica de Kanzumbi. Esta é a minha interpretação.

a Felicidade da Kianda



ciclo Iconografia Angolana
série Deuses & Heróis
Acrílico s/ tela
50x60
adicionais barbante
ano de produção 2009





A Kianda é, em termos simplistas, uma sereia.

Na tradição cultural angolana é a entidade sobrenatural das águas, da qual derivou a Iemenjá brasileira.

Vive preferencialmente em rios, lagos, lagoas e no mar, mas pode surgir em qualquer cacimba ou pequena porção de água permanente.

A particularidade desta sereia é que, podendo apresentar-se sob forma de peixe ou pessoa, na encarnação humana tanto pode ser do sexo masculino como do feminino.

Esta está grávida; daí a Felicidade referida no título.

14 de outubro de 2010

Dijila



ciclo Iconografia Angolana
série  Deuses & Heróis
Acrílico s/ tela
40x50
adicionais penas, ramos vegetais e grãos de areia grossa
ano de produção 2009


A Dijila é uma entidade esotérica resultante do espírito do holokoko, a águia-sem-cauda (Terathopius ecaudatus), enorme ave de rapina.

Nunca se deve permitir que uma criança se aproxime do holokoko: é certo e sabido que contrairá grave doença.

Esta é a forma como idealizei a Dijila.


Raízes



título Raízes ou Ilunga e a Mulemba-Xangola
ciclo  Iconografia Angolana
série Deuses & Heróis
Acrílico s/ tela
aplicações  botão sintético e folhas secas de mulemba
80X60
ano de produção 2009/2010


Há duas classes de heróis, na tradição angolana: os Heróis Deificados – que foram divinizados pela grandeza dos seus actos – e os Heróis Fundadores – cuja história explica a origem dos vários reinos e povos.

Diz a tradição que o príncipe baluba Txibinda Ilunga e Lweji, sua esposa, fundaram o Império Lunda.

É tal a sua importância cultural que os Quiocos, povo formado entre os séculos XVI e XVII, ainda hoje o representam na estatuária, não se sabendo por que motivo este povo dedica culto a uma personalidade Lunda, rei da nação de onde eles se fraccionaram descontentes com a opressão.

A cultura popular aglutinou os conceitos e tornou Ilunga Herói Fundador Deificado – por isso não tem sexo: os Deuses prescindem desse órgão humano por não terem necessidades fisiológicas nem reprodutoras, logo sexuais.

A Mulemba ou Mulembeira, Ficus thonningii, também conhecida por figueira-africana, é uma árvore sarmentosa de seiva leitosa, porte elevado e copa volumosa sendo bastante apreciada pela sombra que produz.

É uma árvore com barbas, as raízes aéreas representadas à esquerda de Ilunga, a árvore real angolana já que à sua sombra se reuniam os reis e potentados, motivo pelo qual se lhe dá a designação de Mulemba-Xietu (a mulemba da nossa terra) e Mulemba-Xangola (a mulemba da terra angolana).

Kanzumbi com Dungo



ciclo  Iconografia Angolana
série  Batucada Esotérica
Acrílico e Grafite s/ tela
70X50
ano de produção 2010



Kanzumbi é a alma penada de um antepassado, o espírito errante que vem em paz contrariamente ao Déle, a mesma entidade com comportamento oposto: persegue os vivos.

Dungo ou ~Dungu é a designação genérica do batuque na região de Cabinda. É utilizado nas danças recreativas e no toque a rebate (~Dungu-ilu).

... ... ... ...
Novos pensamentos que o quadro suscita, até a quem o criou,
porque a obra de arte, mesmo sendo um ponto de chegada, é também – e sempre -  um ponto de partida:
Esta entidade tem uma dupla personalidade: Kanzumbi quando vem em paz e Déle quando persegue os vivos. O eterno dilema entre Bem e Mal. A eterna oposição entre Vida e Morte. Como a personalidade é dupla, logo dúbia, logo indefinida, qualquer dos heterónimos pode ser o outro. E não será essa a verdadeira relação que existe entre estes dois princípios aparentemente – ou convenientemente – antagónicos?
Este Kanzumbi vem com tons mais afáveis do que num outro quadro representado na exposição.  [ver»»»] Qual deles é qual? Será este simultaneamente Bom e Mau? Será aquele ao mesmo tempo Mau e Bom?
Na realidade como no esoterismo (a que também se chama realidade esotérica), nós somos, em cada instante, o resultado da oposição entre Vida e Morte ou, por outras palavras, entre Bem e Mal.
Este Kanzumbi desce à Terra tocando um batuque específico, com dupla função – tanto serve para o Bem como para o Mal. Genericamente, na tradição cultural angolana, cada batuque tem uma função característica: uns servem para festejar , outros para anunciar a guerra,outros para celebrar a passagem de homens importantes... Este, o Dungo, é originário de Cabinda e serve para a dança – o Bem – e como toque a rebate e anúncio fúnebre – o Mal.
Por tal, por ambos (entidade e tambor) apresentarem duas personalidades e duas funções – como se disse aparentemente antagónicas – o Kanzumbi com Dungo, que em outro momento ou neste preciso será o Déle com Dungo, aparece com uma finalidade subjectiva unívoca: Bem-e-Mal, Vida-e-Morte.
                                            
actualização: 27.10.2010

Txitundo-Hulo


ciclo Iconografia Angolana

série Angola Rupestre
Acrílico s/ tela
40x50
ano de produção 2009


O Txitundo-Hulo é uma das mais importantes estações arqueológicas de Angola, situada na antiga província de Moçamedes na faixa semiárida que anuncia o Deserto do Namibe.
É um complexo constituído por um morro granítico, o Txitundo-Hulo Mulume – com pinturas e gravuras rupestres esculpidas nas rochas, bem assim como fundos de cabanas e onde foram encontrados artefactos líticos – e por três elevações menores: o Txitundo-Hulo Mucai (pinturas), a Pedra da Lagoa (gravuras) e a Pedra das Zebras (gravuras).

Na margem esquerda do quadro estão representados o Sol e uma lagarta de lepidóptero. 1

Na margem direita (de cima para baixo) uma representação de rosto antropomorfo, uma figura antropomorfa estilizada e um símbolo astral – talvez a Lua (contrariamente a uma primeira impressão que semelha um Sol) dividida em “quartos”, provavelmente representando épocas de sementeira e colheita. 1

As representações zoomorfas rupestres surgem apenas como traços do seu contorno. Terá sido sempre assim? Ou as gravuras terão perdido o enchimento colorido original? Daí a figura central, o Olongo (Tragelaphus strepsiceros), um dos mais portentosos antílopes da região.

Os motivos deste quadro são figuras efectivamente gravadas nas rochas, com excepção do Olongo que, na verdade, nunca surge representado na totalidade.

1. Interpretações minhas.

o Ó


ciclo da Guerra
título O Ó ou as Mãos Limpas
Acrílico, Carvão e Grafite s/ tela
70X50
ano de produção 2010





o Ó



boca de comer
( com O de fome )

palha
como enchimento
diariamente gástrico,

arroto oco
eco
do choro da miséria


fome de comer
( com O de boca )


admário costa lindo
in “o bico-de-lacre e o tarrote”, inédito







Será a fome hereditária?

Talvez seja!

Em Angola o ditado “o prometido é devido” ainda não se cumpriu.

A fome do povo tem marcas de sangue.

O PIB cresce regularmente por via da exploração das imensas riquezas naturais, mas para onde vão os lucros?

O pecúlio dos novos-ricos, que não resulta do trabalho com certeza, aumenta dia a dia mas o povo continua na miséria.

A figura da mulher emerge de um vórtice. A maior herança da guerra. No rosto tem pintada uma máscara ritual porque contra a fome vale tudo, menos a guerra.

Um exército pode vencer uma guerra, um líder pode ganhá-la, mas quem perde sempre é quem tem as Mãos Limpas.